quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O VESTIDO







Para desespero de Valquíria, o vestido só chegou às quatro. Quando a costureira bateu à porta ela desceu as escadas em disparada, pouco importando-se com as recém-feitas unhas dos pés. Entregou algumas notas à mulher gorda e suada postada à porta, e não teve ímpeto algum de agradecer ou se despedir. Abraçou o pacote como quem abraça um filho recém-nascido e correu de volta ao quarto, escada acima.



Já no quarto, Valquíria não conseguia conter o entusiasmo. Rasgou o pacote e arrancou de dentro o vestido há tanto esperado. Conferiu a simetria do modelo, os acabamentos da costura e deu-se por satisfeita. Tudo estava conforme o esperado. Suspendeu a peça diante do corpo e postou-se frente ao espelho. Era realmente um belo vestido. Por mais que ele fosse desatento, não deixaria de notar isso.



Pouco antes das cinco começaram os preparativos. Valquíria chamou as empregadas e recomendou capricho no suco e nos canapés. Eduardo chegaria às sete e ela não admitiria falhas por parte das serviçais. Após determinar as instruções sentou-se à penteadeira e pôs-se a pentear os longos cabelos. Nada ofuscaria o brilho daquela noite, e ela teria de estar impecável.



Ao experimentar o vestido, não pode deixar de sentir uma pontinha de orgulho e vaidade diante do que lhe oferecia o espelho. Definitivamente ela achou-se linda. Que mais poderia esperar um homem como Eduardo em plena noite de noivado? Ela já imaginava seus olhos deslumbrados, seus elogios, sua cordialidade elegante, e antegozava o momento quando ele chamaria seus pais e faria o tão esperado pedido.



Valquíria sentou-se no sofá da sala de visitas, depois de passar uma ultima vista no ambiente em busca de qualquer imperfeição. O relógio marcava então seis e trinta, Eduardo chegaria às sete. Conferiu as unhas das mãos, alisou no corpo o vestido e pediu à empregada um espelho e uma escova de cabelo. Pensava em todo o tempo que esperara por esse momento. Pensava encontros escusos, longe dos olhos da família e sentia uma espécie de prazer secreto em lembrar tudo isso.



Passavam 15 minutos das sete quando o pai de Valquíria entrou na sala com a câmera fotográfica nas mãos. A ansiedade da moça era mais que visível e o pai propôs uma foto na tentativa de acalmá-la um pouco. Seria, em suas palavras, a última foto de solteira da filha. Valquíria ajeitou-se no sofá, mas só conseguiu esboçar a sombra de um sorriso diante da situação. O pai deu-lhe um beijo na testa e pediu-lhe calma, afinal, ninguém estava isento de algum imprevisto.


Antes de o relógio marcar nove horas Valquíria levantou-se do sofá, subiu com calma as escadas e trancou-se no quarto. Diante do espelho ela mais uma vez conferiu o cabelo, o rosto, o vestido, e passou alguns minutos perdida entre a contemplação de sua imagem e a compreensão do ocorrido. Talvez Eduardo estivesse indeciso. Talvez de fato algum imprevisto ou um acidente. Quem sabe um parente morto ou adoecido. Talvez até o próprio Eduardo morto.



Mas era melhor não pensar nisso. O melhor a fazer era não tirar o vestido. E se Eduardo chegasse a qualquer momento? E se estivesse a caminho, preocupado, eufórico, em desespero pelo ocorrido. Sim, o melhor a fazer era não tirar o vestido. Valquíria sentou-se na cama e encontrou na posta dos sapatos alguma distração. Até que esse exercício, quase sem sentido, a fez adormecer vestida sobre a cama.



Adormeceu vestida sobre seus sonhos. Adormeceu vestida sobre a sombra de um homem que nunca veio. Adormeceu vestida de seus anseios.