domingo, 7 de setembro de 2008

Roberto Juarroz: a vertigem da linguagem


por Pedro Vianna

Todo o trabalho poético do argentino Roberto Juarroz carrega um título único que determina o sentido preciso e intransponível de sua escritura: poesia vertical. Sua aproximação com o espaço literário constrói-se num discurso imagético-conceitual desenvolvido em sua poética, tornando-se uma rigorosa aventura de enfrentamento da palavra através da feitura quase arquitetônica do poema. Há uma espécie de campo de força existencial nos poemas de Juarroz que ultrapassa os limites da linguagem enquanto mera especulação lógica. "Uma poesia que procede pela inversão dos signos", disse Julio Cortazar. De fato os poemas de Juarroz flertam diretamente com o outro, o insólito, o inesperado, o inacreditável, mesmo que o poeta se expresse de forma relativamente clara. Há uma direção e um sentido, ainda que essencialmente abstratos buscados pelo poeta e suas palavras. E nisto consiste a vertigem da verticalidade de sua criação.

Esta vertigem da escritura faz fronteira simultaneamente com o invisível e a existência, criando um espaço de reflexão que confluí para um ponto onde o poema se abre, explode ("Pero el hombre / allí no tendrá peso, / allí no será nadie"). Esta é uma poesia de confrontação direta com as limitações da linguagem, revelando de modo admirável seu poder, sua miséria. Somos impelidos a mover-nos assim em um ambiente onde as dúvidas materializam-se como uma experiência de comunicação com o essencial. Neste processo de incisiva agressividade o poeta vê, sente, respira através de suas palavras, pondo à prova os próprios limites da literatura através da manipulação de uma linguagem simples, uma linguagem de natureza elementar, que desnuda os fundamentos que permanecem ("Detrás del silencio, / detrás del espacio vacío, / detrás de lo que no existe”). Buscando um reencontro com a palavra que é a representação da própria vida, ou como pretendia Artaud com “a Palavra anterior às palavras”.

A palavra em Juarroz é animada por tensões que nos revelam uma intensa vontade de conhecimento. Sua identidade é determinada por seu próprio reflexo. É como se a evidencia da impossibilidade de sua revelação, traçasse um itinerário dissimulado onde a palavra, sem sustentar-se no solo de uma rigorosa síntese essencial, dissolva-se em sua própria miséria. Em suas próprias palavras: "la palabra no es el grito, / sino recibimiento o despedida. / La palabra es el resumen del silencio, / del silencio, que es resumen de todo". Juarroz parece acreditar na palavra como uma forma de transpor a superficialidade histórica dos fatos, ou como disse Derrida: “Sobretudo quando esta questão histórica, num sentido insólito, se aproxima de um ponto em que a natureza puramente assinaladora da linguagem parece muito incerta, parcial ou inessencial”. Utilizando a força da poesia como instrumento particular de batalha contra a própria credibilidade da palavra, a inquietude do silêncio demarca o território verbal de Juarroz e está tragicamente presente em sua aventura poética.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Os fragmentos da Semente


Karen Stiehl Osborn - Fragment 7

por Antonio Moura*

Em seu segundo livro, o poeta Pedro Vianna retoma, ou seria melhor dizer, prossegue em um itinerário em que o espaço urbano é o espaço para a apreensão do fenômeno. E aqui o fenômeno é o poema, que se manifesta ainda de maneira amorfa nos eventos e transforma-se em verbo. E como uma metáfora ou duplo do espaço e tempo, aqui, urbano, o poema assinala a fragmentação como elemento determinante em sua configuração.

Desde a sua grafia, o poema tem, paradoxalmente, no fragmento a sua unidade: a fragmentação visual, através do olhar que depara com o espacejamento fraturado do texto; a fragmentação rítmica, que compõe um sonoridade em staccato ao longo de toda a leitura e, por último – mas não menos importante na totalidade do poema – a fragmentação psíquica a que o sujeito, tanto no interior da cidade quanto no interior do poema, está exposto. Fragmentos de luz, de sombra, fragmentos do desejo, da repulsa, fragmentos do corpo, da mente, armando e desarmando jogos de montar e desmontar a memória, a infância, o cotidiano, a história, o mito, o silêncio e a palavra. Este é um espaço onde a poética se desenrola através da acumulação de sentidos, numa voz lírica impessoal e indeterminada, num lugar onde “Nem/ a áspera língua do poeta/ estendida/ no/ chão/ vazado das palafitas/ como/ cadáver das marés/ anoitecidas/ em/ círios/ de embriaguez exaltada/ traz algum/ resquício de conforto/ para a/ triste/ &/ promíscua procissão/ de almas/ em convulsa monotonia. Cenário onde a miséria social e a miséria anímica se fundem num pesadelo onde nada acena com um possível conforto.

Já havia assinalado em relação ao seu primeiro livro, Itinerário Interno, que, apesar de centralizado num eu lírico, o verdadeiro personagem do texto era o caminho, de fora para dentro, percorrido por um olhar transfigurador, que, a meu ver, é inerente a arte e a poesia. Neste trabalho presente o itinerário interno continua, só que numa tensão ainda maior em que “um movimento denso/ construindo/ cicatrizes/ na arquitetura imaginária/ do/ tempo/ perdido/ amortece/ os nervos/ da cidade metálica/ alimentando/ a fúria dos barcos/ entre aromas/ &/ carnificina/ onde/ a morte foi seqüestrada/ pelos espelhos/ da/ infância. Uma fratura permanente na paisagem, nos objetos, no sujeito e na temporalidade que engloba a memória da infância lançada para o presente com todo o peso das coisas existentes, num “horizonte encarcerado”, quase sempre provocante e hostil.

*Antônio Moura nasceu em Belém do Pará, em 1964. Publicou, em 1996, o livro "Dez", selecionado pela Universidade de Madri -Departamento de Filologia, para integrar a antologia internacional de poesia e crítica "Serta", reunindo poetas de línguas ibero-românicas, entre eles o poeta, tradutor e crítico literário Haroldo de Campos.Roteirista de cinema e vídeo, Antônio Moura atua nesta área como professor no Centro de Comunicações e Artes do Senac-SP. Trabalhou na realização do roteiro do médiametragem "Geraldo Filme", ganhador do prêmio de melhor filme brasileiro no "It's AU True - Festival Internacional de Documentários de São Paulo" e do Prémio Especial do Júri, no 26ª Festival Latino-Americano de Gramado. Colaborou ainda como tradutor no site O Poema.Em 1999, lançou seu segundo livro de poemas intitulado "Hong Kong & outros poemas", pela Ateliê Editorial, com prefácio de Benedito Nunes.Tem seus poemas publicados nas antologias Serta, de Madri e New American Wrighters, EUA, (traduzidos para o inglês). Além da antologia de poesia brasileira Poesia de Invenção no Brasil, editora Landi, São Paulo, 2002.Lança pela Lumme Editor de São Paulo o livro de poemas "Rio Silêncio" no Brasil e em Portugal, que foi muito bem recebido pela crítica do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná, despertando em revistas de forte cunho literário como a carioca Inimigo Rumor, do poeta Carlito Azevedo, a Revista Zunai, do poeta e crítico paulista Claudio Daniel, e a Medusa de Curitiba, o interesse em publicar matérias em suas páginas sobre sua obra.No mesmo período publica "Quase-Sonhos", com tradução dos poemas do poeta africano nascido em Madagascar, Jean-Joseph Rabearivelo, portanto, de língua francesa e totalmente inédito no Brasil.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

A estranha mensagem



Ele veio nas trevas quando havia silêncio
e de novo trouxe a ternura dos galhos tombando para a madrugada.
Eu subi do fundo do mar como um líquen liberto
para ouvir a sua voz que era imensa
e trazia a ansiedade das flores explodindo,
mas só vi o silêncio enorme como a noite.
E ela chorou dentro de minha tristeza
porque era como a revelação do que eu havia perdido.
Ainda trazia nas mãos o frio dos troncos úmidos da noite,
e nos olhos a humildade da terra encharcada de chuva.

Um dia eu descerei verticalmente e para sempre
ao fundo deste mar onde ela mora
como um barco de pescadores desaparecidos.



Paulo Plínio Abreu

segunda-feira, 7 de julho de 2008

o velho

para Ronaldo Freitas


que sonhos sonha
xxxxxxxxxxcom óculos tortos
& um livro sobre o peito
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxo velho e seu 
ronco engasgado

como se a morte
xxxxxxxxxxviesse a todo 
instante cortejar
seu leito incólume

xxxxxxxxxx& a vida fosse
um mero lamento
regado a cerveja 
xxxxxxxxxx& cigarro

num eterno 
arrastar de sandálias
xxxxxxxxxxxxxxxxxxpelo infinito
da madrugada 


sexta-feira, 4 de julho de 2008

happening



o louco persegue
a insígnia incendiária
do sol
num bailado oriental

sobra sobre
a janela um
pobre poema
sob o sal
do deserto
:

uma palavra-sopro
desfaz a pálida
voz do vento

terça-feira, 1 de julho de 2008

Curtas metragens alemães e poesia contemporânea paraense.

Nesta quarta-feira, dia 2 de julho, quem curte cinema e literatura em Belém vai contar uma programação especial para o final de tarde. A partir das cinco horas, no espaço de ensaios da loja Ná Figueredo, vai acontecer o coquetel de pré-lançamento do Circuito Cultural Semeadura. O evento será uma prévia da programação que começará oficialmente em agosto e pretende movimentar eventos, idéias e discussões sobre literatura, cinema e arte contemporânea em geral na cidade. 

 A programação começará com a projeção de 5 curtas-metragens alemães cedidos pelo Instituto Cultural Amazônia. São curtas independentes de uma academia de cinema alemã chamada Baden Wutenberg Academy, todos produzidos por estudantes de cinema com apoio de cineastas famosos, como Wim Wenders. A Exibição desses curtas no Brasil foi a contrapartida do ICAB para a Mostra de cinema da Amazônia na Alemanha, realizando assim o intercambio cultural entre os dois países. Alguns desses curtas foram selecionados para o Student Academy Awards europeu.

 Em seguida o poeta paraense Pedro Vianna fará a leitura de alguns poemas de seu novo livro, Sementes da Revolta. O livro, vencedor do I Prêmio Ipiranga de Literatura, foi bem recebido crítica, tendo sido prefaciado pelos renomados poetas João de Jesus Paes Loureiro e Antonio Moura. Sementes da Revolta é o segundo livro da carreira de Pedro Vianna e foi lançado no último dia 21 de junho. Esta será a primeira oportunidade do poeta de ler e trocar impressões sobre o texto recém saído da gráfica com o público.

 A programação terminará com uma mesa redonda com time de peso discutindo poesia contemporânea. Os convidados são: Antonio Moura, autor de Dez (Gráfica & Editora Supercores, 1996); Hong Kong & outros poemas (Ateliê Editorial, 1999); e Rio Silêncio (Lumme Editor, 2003). Nilson Oliveira, autor de A Outra Morte de Haroldo Maranhão (Edições IAP, 2006), Benoni Araújo autor de Não por acaso dispersos (Inédito) e Pedro Vianna, autor de Itinerário Interno (Edição do Autor, 2007); e Sementes da Revolta (Fundação Ipiranga, 2008) que pretendem abordar a temática: Poéticas da Transgressão. 


sexta-feira, 27 de junho de 2008

Coquetel de Pré-lançamento do Circuito Semeadura




naufrágio íntimo



Acrílica, pastel seco e nanquim sobre tela - Paulo Ponte Souza

a solidão é tátil:
título de um livro
que se inscreve
em tempo
& ausência

esmorecer
de uma espera:
íntimo naufrágio

a solidão dispensa 
metáforas ou
soluções de estilo

sua língua é
o estilete
sua página
a pele




domingo, 22 de junho de 2008

Matéria Jornal Liberal 21/ 06/ 2008 "Pedro Vianna lança hoje livro de poemas"

















Foto: Eduardo Souza

'Sementes da Revolta' está sendo publicado como prêmio por um concurso editorial
O poeta Pedro Vianna lança hoje, no Colégio Ipiranga (avenida Almirante Barroso, entre Humaitá e Vileta), o livro Sementes da Revolta, publicado como premiação do concurso de poesia promovido pela Fundação Ipiranga, no qual ele tirou em primeiro lugar. Sobre o livro, o também poeta Antônio Moura escreveu:

Em seu segundo livro, o poeta Pedro Vianna retoma, ou seria melhor dizer, prossegue em um itinerário em que o espaço urbano é o espaço para a apreensão do fenômeno. E aqui o fenômeno é o poema, que se manifesta ainda de maneira amorfa nos eventos e transforma-se em verbo. E como uma metáfora ou duplo do espaço e tempo, aqui, urbano, o poema assinala a fragmentação como elemento determinante em sua configuração.

Desde a sua grafia, o poema tem, paradoxalmente, no fragmento a sua unidade: a fragmentação visual, através do olhar que depara com o espacejamento fraturado do texto; a fragmentação rítmica, que compõe um sonoridade em staccato ao longo de toda a leitura e, por último - mas não menos importante na totalidade do poema - a fragmentação psíquica a que o sujeito, tanto no interior da cidade quanto no interior do poema, está exposto. Fragmentos de luz, de sombra, fragmentos do desejo, da repulsa, fragmentos do corpo, da mente, armando e desarmando jogos de montar e desmontar a memória, a infância, o cotidiano, a história, o mito, o silêncio e a palavra. Este é um espaço onde a poética se desenrola através da acumulação de sentidos, numa voz lírica impessoal e indeterminada, num lugar onde 'Nem/ a áspera língua do poeta/ estendida/ no/ chão/ vazado das palafitas/ como/ cadáver das marés/ anoitecidas/ em/ círios/ de embriaguez exaltada/ traz algum/ resquício de conforto/ para a/ triste/ &/ promíscua procissão/ de almas/ em convulsa monotonia. Cenário onde a miséria social e a miséria anímica se fundem num pesadelo onde nada acena com um possível conforto.

Já havia assinalado em relação ao seu primeiro livro, Itinerário Interno, que, apesar de centralizado num eu lírico, o verdadeiro personagem do texto era o caminho, de fora para dentro, percorrido por um olhar transfigurador, que, a meu ver, é inerente a arte e a poesia. Neste trabalho presente o itinerário interno continua, só que numa tensão ainda maior em que 'um movimento denso/ construindo/ cicatrizes/ na arquitetura imaginária/ do/ tempo/ perdido/ amortece/ os nervos/ da cidade metálica/ alimentando/ a fúria dos barcos/ entre aromas/ &/ carnificina/ onde/ a morte foi seqüestrada/ pelos espelhos/ da/ infância. Uma fratura permanente na paisagem, nos objetos, no sujeito e na temporalidade que engloba a memória da infância lançada para o presente com todo o peso das coisas existentes, num 'horizonte encarcerado', quase sempre provocante e hostil.


quarta-feira, 23 de abril de 2008

Algum dia


(para Narjara Oliveira,
esta tradução que tudo traduz.)
Algum dia encontrarei uma palavra
que penetre teu ventre e o fecunde,
que pare em teu seio
como uma mão aberta e fechada ao mesmo tempo.

Acharei uma palavra
que detenha teu corpo e o entorne,
que contenha teu corpo
e abra teus olhos como um deus sem nuvens
e use tua saliva
e te dobre as pernas.
Tu talvez não a escutes
ou talvez não a compreendas.
Não será necessário.
Irá por teu interior como uma roda
percorrendo-te ao fim de ponta a ponta,
mulher minha e não minha
e não se deterá nem quando morras.


Roberto Juarroz.............................Tradução Pedro Vianna

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Alvorada


photo: Francesca Woodman
Na madrugada ela deita com seu perfil naquele ângulo
Que, quando ela dorme, parece a face talhada de um anjo.
Seu cabelo uma harpa, que a mão da brisa persegue
E toca, contra a nuvem branca dos travesseiros.
Então, em uma explosão rosa, ela acordou, e os seus olhos abertos
Nadaram em azul através de sua rósea carne amanhecida.
Do orvalho de seus lábios, a queda de uma palavra
Caiu como a primeira das fontes: murmurou
"Querido", em meus ouvidos a canção do primeiro pássaro.
"Meu sonho torna-se o meu sonho", ela disse, "realizado.
Eu acordei de você para o meu sonho de você."
Oh, meu próprio sonho acordado então ouso assumir
A audácia do seu sono. Os nossos sonhos
Vertidos nos braços um do outro, como riachos.



Stephen Spender....................................Tradução
Pedro Vianna

sábado, 8 de março de 2008

panasonic




ainda não matei todas as baratas desse lugar
mas já peguei a maioria delas. há duas
que não consigo pegar. ficam dentro do revestimento plástico
do meu rádio, Solid State FM-AM, onde
o indicador vermelho seleciona as estações
quando giro o botão. só ouço duas
estações de FM, KUSC e KFCA, respectivamente. são
estações de música clássica.

aquelas baratas são cultas. elas ouviram a 9ª de Beethoven
na noite passada e agora estão o a ouvindo 2ª
de Brahms. não estou certo do que elas estão tramando, mas
elas estão calmas. somente suas antenas se mexem
de vez em quando.

desde então elas estão diferentes. elas estão até começando
a parecer críticos musicais. Quanto a isso, por favor
compreendam que não pretendo
ofender as baratas.

Charles Bukowski........................Tradução Pedro Vianna

domingo, 2 de março de 2008

Deixem-nos enlouquecer


john marin - moviment 9 avenue

Deixem-nos enlouquecer abertamente.

Ó homens de minha geração.

Deixem-nos seguir

Os passos dessa época abatida:

Vê-la atravessar a turvo território do Tempo

Adentrar o cárcere da eternidade

Com o ruído que a morte carrega,

Com a face que veste as coisas mortas –

Nem sempre dizer

Nós queríamos mais; nós tentamos encontrar

Uma porta aberta, um ato de amor total

Transformador da treva maligna do dia;

mas encontramos mais inferno e neblina sobre a terra

e dentro da cabeça

Um pântano podre de imensos túmulos tortos.


Kenneth Patchen.........................Tradução Pedro Vianna

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

cura


Jennifer Poon "Sleep" charcoal & pastel on paper ~33"x22" 2006

para Antônio Moura
uma turva
curvatura arma
uma trama
:
urge

sem rumo
nem rumores
cem mouros
:
morrem

sobra um
homem ruim
sobre a obra
:
run home

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Encarando o horizonte


Matt Seasow - "Hellbound3"

O imaginário é a raiz quadrada
de um número negativo
e como tal não tem
o significado no ilusório senso-comum


Não se pode discutir o imaginário
em termos físicos comuns
nem se pode medir a extensão
do imaginário em termos temporais


Perguntar quanto dura um ano imaginário
é sem sentido e auto-destrutivo
porque não há singularidades
no tempo imaginário só eternidade


Para o espaço imaginário isso talvez seja
finito mas sem fronteiras
assim como a superfície da terra
é finita mas ilimitada


O horizonte sempre retrocede
quando nós o buscamos
e sempre que encaramos o horizonte
a eternidade passa num segundo


Raymond Federman..............................Tradução Pedro Vianna

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

oferenda


The Poppy Queen - Beverley Ashe




para narjara oliver


deponho
à teus p(és)
os espólios da
batalha:

a tímida espera
ante
as marés de sonho

o espesso
óleo
saído
do vão das
fer-teis-idas

as
ós(sea)s noites
de carne
&
abandono

meus
las(sos) olhos
costurados
à
tua mortalha

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

a língua do relâmpago



lábios & mãos con
somem o
oco das horas
sobre
vivendo à
escrita elétrica da luz
com navalhas


toc
ando as entranhas
do espírito
feito
sacra
rio entre
tec(ido) na
fronte do poeta
ou voz petri
ficada


procur
ando
sil(abas) azuis
que a res
piração dos páss
aros
leva
consigo


ó
solit
ária injuria
semeada no in
visível
frac
assadas as
cíclicas fugas dos
auto
móveis


rumo ao fogo
inconsumível do o
caso ress
urge
ante a textura das marés
de escárnio
um exército
de sombras vege
tais


per
seguindo relâm
pagos
muito além
das prom
essas
onde naufraga o
esqueleto das convicções


é que res
s(urge)
a impiedosa voz da vi
leza tal altiva
embarc
ação deslizando
contra o fluxo
envene
nado das marés



ou edifícios
chicote
ando o
hí(men) ard
ente dos pesad
elos


o poeta indig
nado
exalta a morte
em suas pálpebras
petri
ficadas


re(colhe)ndo
cacos da real
idade
no peçonhento
poço do poema


como quem co
leciona
(in)s etos
por vaidade

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Palavras



Setavai à frente, singrando, quilha de pluma e pedra pontiaguda.

Auroracírculo de salamandras queimando as bordas da noite.

Imaginaçãoo Vale da Sombra da Morte onde a Vida e a Luz penetram.

Novelocordão cortado logo à entrada umbilical do labirinto.

Mulherserpente, queda, maçã e paraíso.

Pássarouma sombra que atravessa sobrevoando a folha branca.

Precep de descalço que pisa a cabeça da serpente sobre a relva.

Sonho tudo o que se quando os olhos se abrem.

Nuvem lição diária de feérico e efêmero.

Poeirairmã bastarda das nuvens.

MontanhaseMes e eNes que sobeM e desceM duraNte a Nossa jorNada.

Perdão murmúrio sem resposta num mundo surdo-mudo.

Sombraanfitriã nas festas negras do Vale da Morte.

Reimonossílabo solitário na vastidão do seu universo.

Portapronúncia que pode abrir-se para o céu ou para o inferno.

Ventocavalo e cavaleiro sedutor e destruidor de nuvens.

Trovãorugido real envolto numa juba de silêncio.

Tempoclareira rodeada de eternidade onde estronda o rugido do leão.

Filhotetartamudear arrancado do seio da eternidade pelas mãos ásperas do tempo.

Risoarco de juventude que se traça na face enrugada dos dias.

Fogoespada escarlate varrendo e devorando os escorpiões em volta.

Noite santa, vampira, mãe dos sonhos e dos mais belos pesadelos.

Pontearco que se estende da íris azul da terra a íris azul do céu.

Rio murmúrio do tempo, voz que eterna muda.

Ondasom de sereia chamando o homem de areia para o abismo.

Marcasa de esmeralda e espuma onde vive azul a voz da onda.

Fonteno fundo do fundo o som inaudível de onde vem tua voz.


Antonio Moura

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

justificativa


posso

inventar mil desculpas

para o osso torto

desse poema

mas venta na nave da noite

e a razão vaza entre

os dedos


sei

que abusei da palavra

batendo de porta em porta

a vender-lhe a morta larva

mas um

instante acontece

e logo tece

o que era antes

:

ante

cede

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Palafita