quarta-feira, 23 de julho de 2008

Os fragmentos da Semente


Karen Stiehl Osborn - Fragment 7

por Antonio Moura*

Em seu segundo livro, o poeta Pedro Vianna retoma, ou seria melhor dizer, prossegue em um itinerário em que o espaço urbano é o espaço para a apreensão do fenômeno. E aqui o fenômeno é o poema, que se manifesta ainda de maneira amorfa nos eventos e transforma-se em verbo. E como uma metáfora ou duplo do espaço e tempo, aqui, urbano, o poema assinala a fragmentação como elemento determinante em sua configuração.

Desde a sua grafia, o poema tem, paradoxalmente, no fragmento a sua unidade: a fragmentação visual, através do olhar que depara com o espacejamento fraturado do texto; a fragmentação rítmica, que compõe um sonoridade em staccato ao longo de toda a leitura e, por último – mas não menos importante na totalidade do poema – a fragmentação psíquica a que o sujeito, tanto no interior da cidade quanto no interior do poema, está exposto. Fragmentos de luz, de sombra, fragmentos do desejo, da repulsa, fragmentos do corpo, da mente, armando e desarmando jogos de montar e desmontar a memória, a infância, o cotidiano, a história, o mito, o silêncio e a palavra. Este é um espaço onde a poética se desenrola através da acumulação de sentidos, numa voz lírica impessoal e indeterminada, num lugar onde “Nem/ a áspera língua do poeta/ estendida/ no/ chão/ vazado das palafitas/ como/ cadáver das marés/ anoitecidas/ em/ círios/ de embriaguez exaltada/ traz algum/ resquício de conforto/ para a/ triste/ &/ promíscua procissão/ de almas/ em convulsa monotonia. Cenário onde a miséria social e a miséria anímica se fundem num pesadelo onde nada acena com um possível conforto.

Já havia assinalado em relação ao seu primeiro livro, Itinerário Interno, que, apesar de centralizado num eu lírico, o verdadeiro personagem do texto era o caminho, de fora para dentro, percorrido por um olhar transfigurador, que, a meu ver, é inerente a arte e a poesia. Neste trabalho presente o itinerário interno continua, só que numa tensão ainda maior em que “um movimento denso/ construindo/ cicatrizes/ na arquitetura imaginária/ do/ tempo/ perdido/ amortece/ os nervos/ da cidade metálica/ alimentando/ a fúria dos barcos/ entre aromas/ &/ carnificina/ onde/ a morte foi seqüestrada/ pelos espelhos/ da/ infância. Uma fratura permanente na paisagem, nos objetos, no sujeito e na temporalidade que engloba a memória da infância lançada para o presente com todo o peso das coisas existentes, num “horizonte encarcerado”, quase sempre provocante e hostil.

*Antônio Moura nasceu em Belém do Pará, em 1964. Publicou, em 1996, o livro "Dez", selecionado pela Universidade de Madri -Departamento de Filologia, para integrar a antologia internacional de poesia e crítica "Serta", reunindo poetas de línguas ibero-românicas, entre eles o poeta, tradutor e crítico literário Haroldo de Campos.Roteirista de cinema e vídeo, Antônio Moura atua nesta área como professor no Centro de Comunicações e Artes do Senac-SP. Trabalhou na realização do roteiro do médiametragem "Geraldo Filme", ganhador do prêmio de melhor filme brasileiro no "It's AU True - Festival Internacional de Documentários de São Paulo" e do Prémio Especial do Júri, no 26ª Festival Latino-Americano de Gramado. Colaborou ainda como tradutor no site O Poema.Em 1999, lançou seu segundo livro de poemas intitulado "Hong Kong & outros poemas", pela Ateliê Editorial, com prefácio de Benedito Nunes.Tem seus poemas publicados nas antologias Serta, de Madri e New American Wrighters, EUA, (traduzidos para o inglês). Além da antologia de poesia brasileira Poesia de Invenção no Brasil, editora Landi, São Paulo, 2002.Lança pela Lumme Editor de São Paulo o livro de poemas "Rio Silêncio" no Brasil e em Portugal, que foi muito bem recebido pela crítica do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná, despertando em revistas de forte cunho literário como a carioca Inimigo Rumor, do poeta Carlito Azevedo, a Revista Zunai, do poeta e crítico paulista Claudio Daniel, e a Medusa de Curitiba, o interesse em publicar matérias em suas páginas sobre sua obra.No mesmo período publica "Quase-Sonhos", com tradução dos poemas do poeta africano nascido em Madagascar, Jean-Joseph Rabearivelo, portanto, de língua francesa e totalmente inédito no Brasil.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

A estranha mensagem



Ele veio nas trevas quando havia silêncio
e de novo trouxe a ternura dos galhos tombando para a madrugada.
Eu subi do fundo do mar como um líquen liberto
para ouvir a sua voz que era imensa
e trazia a ansiedade das flores explodindo,
mas só vi o silêncio enorme como a noite.
E ela chorou dentro de minha tristeza
porque era como a revelação do que eu havia perdido.
Ainda trazia nas mãos o frio dos troncos úmidos da noite,
e nos olhos a humildade da terra encharcada de chuva.

Um dia eu descerei verticalmente e para sempre
ao fundo deste mar onde ela mora
como um barco de pescadores desaparecidos.



Paulo Plínio Abreu

segunda-feira, 7 de julho de 2008

o velho

para Ronaldo Freitas


que sonhos sonha
xxxxxxxxxxcom óculos tortos
& um livro sobre o peito
xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxo velho e seu 
ronco engasgado

como se a morte
xxxxxxxxxxviesse a todo 
instante cortejar
seu leito incólume

xxxxxxxxxx& a vida fosse
um mero lamento
regado a cerveja 
xxxxxxxxxx& cigarro

num eterno 
arrastar de sandálias
xxxxxxxxxxxxxxxxxxpelo infinito
da madrugada 


sexta-feira, 4 de julho de 2008

happening



o louco persegue
a insígnia incendiária
do sol
num bailado oriental

sobra sobre
a janela um
pobre poema
sob o sal
do deserto
:

uma palavra-sopro
desfaz a pálida
voz do vento

terça-feira, 1 de julho de 2008

Curtas metragens alemães e poesia contemporânea paraense.

Nesta quarta-feira, dia 2 de julho, quem curte cinema e literatura em Belém vai contar uma programação especial para o final de tarde. A partir das cinco horas, no espaço de ensaios da loja Ná Figueredo, vai acontecer o coquetel de pré-lançamento do Circuito Cultural Semeadura. O evento será uma prévia da programação que começará oficialmente em agosto e pretende movimentar eventos, idéias e discussões sobre literatura, cinema e arte contemporânea em geral na cidade. 

 A programação começará com a projeção de 5 curtas-metragens alemães cedidos pelo Instituto Cultural Amazônia. São curtas independentes de uma academia de cinema alemã chamada Baden Wutenberg Academy, todos produzidos por estudantes de cinema com apoio de cineastas famosos, como Wim Wenders. A Exibição desses curtas no Brasil foi a contrapartida do ICAB para a Mostra de cinema da Amazônia na Alemanha, realizando assim o intercambio cultural entre os dois países. Alguns desses curtas foram selecionados para o Student Academy Awards europeu.

 Em seguida o poeta paraense Pedro Vianna fará a leitura de alguns poemas de seu novo livro, Sementes da Revolta. O livro, vencedor do I Prêmio Ipiranga de Literatura, foi bem recebido crítica, tendo sido prefaciado pelos renomados poetas João de Jesus Paes Loureiro e Antonio Moura. Sementes da Revolta é o segundo livro da carreira de Pedro Vianna e foi lançado no último dia 21 de junho. Esta será a primeira oportunidade do poeta de ler e trocar impressões sobre o texto recém saído da gráfica com o público.

 A programação terminará com uma mesa redonda com time de peso discutindo poesia contemporânea. Os convidados são: Antonio Moura, autor de Dez (Gráfica & Editora Supercores, 1996); Hong Kong & outros poemas (Ateliê Editorial, 1999); e Rio Silêncio (Lumme Editor, 2003). Nilson Oliveira, autor de A Outra Morte de Haroldo Maranhão (Edições IAP, 2006), Benoni Araújo autor de Não por acaso dispersos (Inédito) e Pedro Vianna, autor de Itinerário Interno (Edição do Autor, 2007); e Sementes da Revolta (Fundação Ipiranga, 2008) que pretendem abordar a temática: Poéticas da Transgressão.